quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Pós-decadência

Tive a sorte, essencialmente ao longo dos primeiros anos do século XXI, quando fui responsável pelo projecto Lusophia, de ter conhecido um razoável número de individualidades curiosas, do nosso meio literário, espiritualista, etc.

Daqueles que já não estão fisicamente entre nós (realço o fisicamente), teria de destacar João Aguiar, Raymond Bernard, António Telmo, António de Macedo, José Manuel Capêlo, Pinharanda Gomes. Dos viventes, e com quem ainda tenho a felicidade de por vezes privar (com alguns destes; outros já não vejo há muitos anos), destacaria Rainer Daehnhardt, José Medeiros, Paulo Borges, José Flórido, António Cândido Franco, Álvaro Barbosa. E, certamente, estarei a esquecer-me de outros, que também mereceriam destaque, os quais terão de fazer o obséquio de me desculpar...

Tenho pena de não ter conhecido pessoalmente o Mestre Agostinho da Silva. Mas, entretanto, conheci muitas pessoas que com ele privaram e já o li tanto que, arrisco-me a dizer, é como se o tivesse conhecido, apesar de saber que estou a ser tão optimista, quanto arrogante.

Fiz este intróito para dizer que não me parece que esta gente tão boa, que estive agora a elencar, venha a ter uma geração que a substitua condignamente.

Lembro-me de, certa vez, no decorrer de um almoço descontraído com o saudoso Pinharanda Gomes, vir à baila, claro está, o assunto da Filosofia portuguesa e de seus filósofos. O nosso Amigo incluiu-se, muito naturalmente, nessa corrente filosófica (que se vai mantendo criminosamente desconhecida), mas referiu que ele representava já uma decadência dessa mesma Filosofia...

Assinalem-se duas coisas. Primeiro, a humildade deste homem que, apesar da sua assinalável obra, não se pôs em bicos de pés. Depois, se Pinharanda Gomes se considerava uma decadência da Filosofia portuguesa, (uma vez mais) apesar da sua assinalável obra, podemos apenas imaginar o que está ainda por descobrir desta corrente, que, apesar de se intitular nacional, tem traços de grande universalidade (isso o sabemos).

Assim, vejo-me obrigado a concordar com Pinharanda Gomes, considerando-o a ele, assim como a outros que pude referir supra, já uma geração decadente (apesar do brilhantismo que reconheço em cada um deles), não só da Filosofia, mas também do meio espiritualista e, até, iniciático, que foi o meio que conheci melhor nestas duas primeiras décadas do século XXI.

Mas, não querendo nem podendo generalizar, vale a pena assinalar que a decadência tem vindo a ser transversal, e perpassa vários meios e artes, como a literatura, por exemplo - ao lermos um Luiz Pacheco, ficamos com a clara ideia de como o nosso meio intelectual e literário hodierno é hoje, em comparação, muito mais desinteressante e "asséptico".

Claro que não é em tudo que temos vindo a decair. Arrisco-me a dizer que nunca vivemos (alguns de nós) no meio de tanto conforto (a vários níveis), e, a nível tecnológico, tem havido avanços que nos têm facilitado a vida em muitos aspectos. Nem tudo está a correr mal...

Mas, naquilo que é de natureza menos efémera (vamos dizê-lo assim), como as espiritualidades, as artes, a literatura, a filosofia, aí apresentamos sinais de grande ou total decadência, sem que se vislumbrem tendências de quebra nesse sentido descendente.

Diria mesmo, para terminar, que, nesta fase tão particular que estamos a atravessar, nos encontramos em verdadeiro período de pós-decadência. O que virá de futuro, a Deus pertence. Mas será melhor. Só pode.

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