quinta-feira, 1 de outubro de 2020

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Um post estúpido - parte II

Ontem escrevi um post estúpido e, não satisfeito com tal façanha, hoje volto à carga.

Agora que já pude pensar um pouco mais sobre o assunto, percebo que é possível falar da mesma coisa de forma um pouco mais polida. 

Assim, hoje pergunto, não será a estupidez apenas excesso de ego? Parece-me que sim. Se tivesse ido por aqui, o post de ontem poderia ter sido menos estúpido. Para além de que aquela posição arrogante de que se está acima da estupidez é, ela mesma, estúpida. E foi isso que fui: estúpido. Enfim.

Mas, então, se a estupidez pode ser tão somente excesso de ego, valerá a pena escutar o que sempre nos disseram os sábios do passado e até os contemporâneos, e que, se quisermos, se resume a isto: combate o ego, procura a humildade.

Dificilmente se encontra alguém humilde e estúpido. A arrogância e a estupidez, essas, andam de braço dado...

Mas, no sistema que nos impuseram - sim, impuseram; vivemos num mundo que não surgiu ao acaso; vivemos num mundo que foi pensado, elaborado, imposto. Mas, dizia, no sistema que nos impuseram, a humildade é vista quase como uma deficiência de carácter. Por outro lado, fala-se muito e chega mesmo a tecer-se loas àquele que tem uma "personalidade forte"...

Como já pude dizer antes, nada contra tenho em relação a quem obtém notoriedade, quando esta é fruto de um talento, natural ou trabalhado. Se alguém canta bem, escreve bem, pinta bem, tem um discurso bem elaborado (mas com substrato), é bom desportista, toca bem um instrumento, etc., é bom que seja reconhecido. Mas este reconhecimento externo concilia-se perfeitamente com a humildade, sem qualquer problema, é bom que se assinale.

No entanto, chegámos ao cúmulo de haver quem queira ser conhecido sem nada de especial fazer. Ser conhecido é um fim em si mesmo. Ora, essa arrogância só pode ser estúpida, lamento dizê-lo tão frontalmente. E vê-mo-la diariamente, e vemos, também, que este tal sistema que nos impuseram se alimenta, em grande medida, disso mesmo.

Mas não só disso. Arrisco-me a dizer que este mundo doente em que vivemos se vai alimentando de características humanas que desde há muito são tidas por "negativas"; de algumas já falei ontem, mas volto a referi-las e acrescento outras: a ganância, a sede de poder, a avareza, o egoísmo, a vaidade, etc., etc.

Um mundo construído sobre, ou aproveitando-se destas características, só pode ser um mundo falho.

Assim, e após se consumar a queda do Império, seria bom construir um mundo que se apoiasse naquilo que a humanidade tem de melhor, e não nas suas falhas evidentes. Para ver o que é que dava.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Um post estúpido

Os meus dois leitores (dois leitores!, meu Deus, que optimismo) vão ter de ter paciência, pois este post vai ser um pouco confuso. Na verdade, estou a utilizar a escrita para, uma vez mais, organizar ideias; ferramenta que uso amiúde para o efeito.

Na verdade, nem sei muito bem por onde começar, mas talvez por Roma; sim Roma.

Pão e circo, foi o que Roma usou para ter as massas mais ou menos conformadas...

Aqueles que estão no poder terão sempre de se preocupar com essa massa amorfa de estúpidos, que é a esmagadora maioria da humanidade.

Na Roma antiga, todos o sabemos, oferecia-se pão e circo - panen et circenses, locução com que o poeta satírico Juvenal criticava os que no Fórum pediam trigo e espectáculos gratuitos no circo, ou seja, aqueles que se contentavam com comida e diversão grátis, sem questionarem o desempenho dos governantes que, dessa forma, garantiam o apoio da população (segundo nos diz o Priberam, mais ou menos por estas palavras).

O Império vigente fez e faz o mesmo, mas em muito maior escala, claro está, e a mesma "metodologia" se tem espalhado pelo mundo, com menor ou maior grau de "oferta". Oferta entre aspas, pois, ao contrário do que acontecia na Roma antiga, agora pagamos para ir ao "circo", e não dei conta de que nos ofereçam comida.

Parece-me uma fórmula que apenas mantém a sua eficácia por um (in)certo período de tempo; mas que acabará por descambar, mais dia, menos dia. Estamos a assistir a essa derrocada.

Um bom Amigo diz, bastas vezes, que o problema não está no indivíduo, ou seja, é possível falar com cada pessoa em particular, e manter uma conversa mais ou menos elaborada e quase sempre cordial, sem grande dificuldade. O problema está nas massas; quando o Homem se junta em vastos grupos, aí é que surge o "descontrolo". É capaz de ter razão, não sei.

Mas eu, que sou parvo (e também um pouco estúpido), acho que se trata, na verdade, de um problema que devia ocupar a todos os filósofos, antigos, contemporâneos, e futuros: será possível erradicar a estupidez?

Já pensei que sim, depois pensei que não, agora estou mais ou menos esperançoso...

Uma das minhas longas batalhas prende-se com a ideia de que se continua a confundir ignorância com estupidez, assim como se confunde conhecimento com sabedoria.

Mas, se é fácil combater a ignorância, com conhecimento; assim não é com a estupidez. Não há fórmula precisa e infalível para transformar um estúpido num sábio (ou, pelo menos, num "não-estúpido").

Mas (outro mas), se é possível a um sábio tornar-se ainda mais sábio (ou tornar-se sábio, sem antes o ser), por dedução lógica, também será possível a um estúpido ficar menos estúpido, e mesmo deixar de o ser.

E julgo também que, não havendo fórmula, haverá pelo menos uma ou duas coisas que é possível fazer para que alguém fique menos estúpido. 

A primeira, é deixar a pessoa errar, errar muito, uma e outra vez, para que aprenda com o erro. Se serve ao sábio, servirá ao estúpido. Este último, terá de errar mais vezes, por ventura, para conseguir aprender, mas... a seu tempo, aprenderá.

Antes de apresentar outra sugestão, vou elaborar um pouco mais esta ideia...

Reparamos muitas vezes que são aquelas pessoas que menos dificuldades passaram na vida as mais estúpidas. Eu, um defensor moderado da vida burguesa, consigo aceitar que esta mesma burguesia pode muito bem ser a génese de gente (muito) estúpida, em catadupa, se não houver cuidado na educação para os valores - que muitas vezes sabemos não existir. Quantos são os pais que tudo dão aos filhos, sem filtro, sem educar, sem fazer ver o verdadeiro "valor" das coisas? Estão, inevitavelmente, a criar estúpidos.

E ainda, que é dizer mais ou menos a mesma coisa, um fulano chamado G. Michael Hopf, num livro intitulado "Those who remain" (que não li), diz-nos que «tempos difíceis criam Homens fortes, Homens fortes criam tempos fáceis. Tempos fáceis criam Homens fracos, e Homens fracos criam tempos difíceis». E assim é; para além de estar à vista de todos os tempos que estamos ora a viver, e que tipo de Homens somos, mas não queria ir por aí.

Assim, um caminho que proponho para a diminuição da estupidez, é o da dificuldade, do erro, da "descoberta de soluções" por si mesmo. 

O outro será o da diversidade, isto é, expor a generalidade das pessoas ao diverso, ao inesperado, ao insólito, ao improvável, em contraciclo com o hoje vemos, onde se promove a uniformização, o pensamento único (e inquestionável). 

A diversidade tem o condão de abrir os horizontes de quem a esta se expõe. Todos sabemos que viajar é algo que nos alarga o espírito, pelo contacto com outras culturas, outras formas de vida. Mas, ouvir uma música antiga, ver uma pintura menos conhecida, de um autor esquecido, ler um clássico da Literatura, etc., julgo que terá o mesmo fim.

Outras formas ou fórmulas haverá, não duvido, para minimizar um dos maiores (senão mesmo o maior) flagelos da Humanidade: a estupidez. Pois é a estupidez a porta de entrada para tudo o resto: a ganância, o egoísmo, a intolerância, a cupidez, o apego, a inveja, etc., etc.

O que se tem feito nesse sentido é pouco mais do que nada. Pelo contrário, é um problema que se tem agravado, e os resultados estão à vista.

O Império foi arrogante ao julgar-se capaz, pelas inúmeras distracções que soube criar, de manter as massas sob controle. Falhou. Ao invés de arrepiar caminho, "agudizou a metodologia", mas desta feita, impondo-se de forma autoritária na vida de cada um de nós. Hoje vivemos em ditadura (quase plena), não duvidemos. Mas, uma vez mais, não quero ir por aí.

Terminaria por dizer uma frase que me terá surgido em plena insónia, que é mais ou menos isto: «se a ignorância se combate de fora para dentro, com um livro, um professor, um amigo, um pai; a estupidez combate-se de dentro para fora, pelo auto-conhecimento, que surge pela experiência, pelo erro», e com a exposição ao diverso, acrescentaria agora.

Claro que este post é um contributo para além de humilde; será até um pouco estúpido... Não arrogo, não o posso fazer, ter a solução para o que apelidei supra como sendo um dos maiores flagelos da Humanidade. Mas continuarmos colectivamente a assobiar para o lado, como se não se tratasse de um problema com substrato, também não me parece solução.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Pós-decadência

Tive a sorte, essencialmente ao longo dos primeiros anos do século XXI, quando fui responsável pelo projecto Lusophia, de ter conhecido um razoável número de individualidades curiosas, do nosso meio literário, espiritualista, etc.

Daqueles que já não estão fisicamente entre nós (realço o fisicamente), teria de destacar João Aguiar, Raymond Bernard, António Telmo, António de Macedo, José Manuel Capêlo, Pinharanda Gomes. Dos viventes, e com quem ainda tenho a felicidade de por vezes privar (com alguns destes; outros já não vejo há muitos anos), destacaria Rainer Daehnhardt, José Medeiros, Paulo Borges, José Flórido, António Cândido Franco, Álvaro Barbosa. E, certamente, estarei a esquecer-me de outros, que também mereceriam destaque, os quais terão de fazer o obséquio de me desculpar...

Tenho pena de não ter conhecido pessoalmente o Mestre Agostinho da Silva. Mas, entretanto, conheci muitas pessoas que com ele privaram e já o li tanto que, arrisco-me a dizer, é como se o tivesse conhecido, apesar de saber que estou a ser tão optimista, quanto arrogante.

Fiz este intróito para dizer que não me parece que esta gente tão boa, que estive agora a elencar, venha a ter uma geração que a substitua condignamente.

Lembro-me de, certa vez, no decorrer de um almoço descontraído com o saudoso Pinharanda Gomes, vir à baila, claro está, o assunto da Filosofia portuguesa e de seus filósofos. O nosso Amigo incluiu-se, muito naturalmente, nessa corrente filosófica (que se vai mantendo criminosamente desconhecida), mas referiu que ele representava já uma decadência dessa mesma Filosofia...

Assinalem-se duas coisas. Primeiro, a humildade deste homem que, apesar da sua assinalável obra, não se pôs em bicos de pés. Depois, se Pinharanda Gomes se considerava uma decadência da Filosofia portuguesa, (uma vez mais) apesar da sua assinalável obra, podemos apenas imaginar o que está ainda por descobrir desta corrente, que, apesar de se intitular nacional, tem traços de grande universalidade (isso o sabemos).

Assim, vejo-me obrigado a concordar com Pinharanda Gomes, considerando-o a ele, assim como a outros que pude referir supra, já uma geração decadente (apesar do brilhantismo que reconheço em cada um deles), não só da Filosofia, mas também do meio espiritualista e, até, iniciático, que foi o meio que conheci melhor nestas duas primeiras décadas do século XXI.

Mas, não querendo nem podendo generalizar, vale a pena assinalar que a decadência tem vindo a ser transversal, e perpassa vários meios e artes, como a literatura, por exemplo - ao lermos um Luiz Pacheco, ficamos com a clara ideia de como o nosso meio intelectual e literário hodierno é hoje, em comparação, muito mais desinteressante e "asséptico".

Claro que não é em tudo que temos vindo a decair. Arrisco-me a dizer que nunca vivemos (alguns de nós) no meio de tanto conforto (a vários níveis), e, a nível tecnológico, tem havido avanços que nos têm facilitado a vida em muitos aspectos. Nem tudo está a correr mal...

Mas, naquilo que é de natureza menos efémera (vamos dizê-lo assim), como as espiritualidades, as artes, a literatura, a filosofia, aí apresentamos sinais de grande ou total decadência, sem que se vislumbrem tendências de quebra nesse sentido descendente.

Diria mesmo, para terminar, que, nesta fase tão particular que estamos a atravessar, nos encontramos em verdadeiro período de pós-decadência. O que virá de futuro, a Deus pertence. Mas será melhor. Só pode.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Soberania

Pode-se aferir o grau de soberania de um país pela resposta que cada um pôde dar a esta 'falsa' pandemia.

Muito se falou da Suécia, mas, na verdade, este país evitou o Estado de Emergência (e consequente confinamento) pela circunstância de que só o pode declarar [o Estado de Emergência] em período de guerra.

Em todo o caso, o que estamos a passar é muito parecido com uma guerra, em especial para aqueles que nos querem cada vez mais obedientes. 

Em particular, na última vintena de anos, a par da suposta luta contra essa entidade abstracta que é o terrorismo, as (também supostas) várias pandemias têm sido uma ferramenta muito eficaz para deixar-nos com medo e, logo, mais disponíveis para abdicar das nossas liberdades (muitas delas conquistadas depois de muito sangue derramado) em nome da "segurança".

Ora, o que sabemos desta vida é que "segurança" é algo com que podemos contar pouco.

Mas, voltando ao início, para não entrar em filosofias, vamos falar da (falta de) soberania.

Sabemos, não pelos jornais nem pelas televisões, que há países (pelos vistos mais soberanos que o nosso) em que esta pandemia já nem para conversa de café serve. Países onde se vive normalmente, sem máscaras, sem distanciamento físico, e sem números regurgitados acefalamente a abrir telejornais. E o vírus aí também existe, mas decidiu-se dar-lhe a importância que merece, que é aquela que merecem todos os vírus e bactérias (e outros bichinhos miscroscópicos) com que desde sempre convivemos.

Em Portugal, temos a infelicidade de há muito não sermos um país livre e soberano. Acatamos indicações externas sem grande margem de manobra. Não digo isto como resultado de uma qualquer suposta ideologia que sigo (que é nenhuma), e que me levaria a dizer estas coisas. É facto. É por demais evidente. Achas que não é assim? 'tá bem.

Ainda há uns dias um Amigo me confidenciava que um eurodeputado lhe dizia que «as pessoas não têm noção da importância do Parlamento Europeu; 80% das leis que nos regem é daí que derivam. Os restantes 20% são leis locais e de pouca monta...».

E isso seria tudo muito bonito, se as leis pudessem, de facto, servir a todos por igual, sem ter em conta as idiossincrasias de cada país, cada região, cada lugar, cada pessoa. É, também por isto, que defendo, desde há muito, a proximidade, a preocupação que deve existir com cada pessoa e com cada situação particular. Não há conhecimento de algo que sirva a toda a gente por igual; nem vacinas, quanto mais leis.

É provável que alguns estejam já a pensar que isto é um discurso isolacionista, para além de "negacionista" (entre aspas pois, na verdade, não me lembro de alguma vez ter dito que o vírus não existe), mas isso já sabiam.

Descanso-vos ao dizer que, por mim, acabava-se já com todas as fronteiras, tenham estas muros ou não. Ou seja, ao identificar a falta de soberania do nosso país, não estou a defender (apesar de que, nestes tempos, como vimos, até podia dar um certo jeito - daí ter falado em "infelicidade"). Na verdade, para mim, só deve existir uma soberania, que é aquela que cada um exerce sobre si mesmo (com tudo o que isso verdadeiramente implica). Mas isto digo eu, que sou parvo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Diversão (e a falta dela)

Há dias, a caminho de casa (depois de ter estado na casa de um amigo, com outros dois amigos, a rir e a conversar), numa quinta-feira, dei conta de todo um terceiro andar, com as janelas abertas, de onde emanava música e vozes altas e animadas. Seriam onze e meia da noite.

Quando cheguei a casa, semelhante cenário: vozes e música, ambos em alto volume, não cheguei a perceber de onde. 

A minha vizinha do rés-do-chão, no seu magnífico pátio ajardinado, recebe as amigas e amigos quase dia sim, dia sim.

A primeira reacção que tenho é de satisfação. Fico feliz por haver quem não hipoteque os seus momentos de diversão por causa de uma hipótese remota de apanhar uma constipação, nestes tempos ainda quentes (mais remota ainda é hipótese de morrer dessa constipação, mas isso é outro assunto).

No entanto, tenho receio que isto não dure.

Se os bares e discotecas continuam fechados, e os que não estão fechados tiveram de fazer adaptações e já não são bares e discotecas, então há que ser criativo, para poder, como se diz em inglês, blow off some steam, o que não deixará de ser profundamente terapêutico nos dias que correm.

Em Lisboa sempre se tolerou bastante o barulho feito pelos vizinhos, mas parece-me que se continuar a haver um sem número de festas privadas, espalhado por um sem número de prédios que, por vezes, têm pouca resistência acústica (esta expressão existe?), não vejo que isto venha a ter bom resultado. Os vizinhos, que de início até foram capazes de tolerar a situação e foram compreensivos, começarão a deixar de achar piada a não conseguir adormecer, e o passo seguinte será chamar as "autoridades", se não forem primeiro oferecer porrada, simpaticamente, é claro.

Já é, de facto, ilegal o ajuntamento de pessoas, à boa maneira fascista, e é um instante até deixar de ser tolerado pelo vizinho.

Mais. Se os bares e discotecas não eram por todos frequentados, pelo menos era sabido que existiam e que, se quiséssemos, ali estavam à nossa disposição. Só isto, era já o suficiente para nos serenar.

Para outros, uma ida ou duas por semana, ao bar ou ao café, era também já o suficiente para arejar a cabeça.

Nada disto é hoje possível, ou seja, não é possível libertar o stress de forma "saudável", com uma saída ou outra, e há então lugar à realização de festas privadas, a terem lugar em locais não preparados para o efeito, e onde haverá também lugar a abusos, pois a tensão acumulada é muita, mesmo muita...

Caminhamos para um futuro onde não se perspectiva o lugar para a diversão: casa - trabalho - casa. E em casa, pensas no trabalho, claro, sem teres grande forma de escape.

*

Lembro-me de em tempos ter ouvido contar a seguinte história: numa fábrica chinesa perguntaram a um funcionário, cujo trabalho era o repetir de um gesto específico (qual o gesto, não interessa), o que é que lhe passava pela cabeça naquelas horas em que laborava. O ocidental haveria de esperar que o chinês respondesse que pensava nas férias, no fim de semana, ou na família, algo do género. A resposta do chinês foi: penso em como é que vou conseguir fazer o que estou a fazer ainda mais rápido...

É isto que o Império inveja. Trabalhadores que só pensem no trabalho. O Império inveja o capitalismo musculado que a China hoje apresenta. 

Ora a China, neste aspecto, como em muitos outros, não pode ser, de todo, invejável, apesar de ter uma história e tradições riquíssimas, que vale a pena conhecer. 

Mas, para além disso, está em grande ebulição e o povo, com as suas pressões, já muito tem vindo a conquistar. Sendo já a maior potência económica mundial (apesar de não aparecer ainda como tal no "papel"), está em vias de se tornar um dos países mais fascinantes num futuro não muito distante. Sabemos todos que os países mais desenvolvidos em termos tecnológicos (em termos humanos, ainda há muito a fazer) estão praticamente todos no Oriente.

Entretanto, é tempo de o Império entender que teve o seu tempo, mas que chegou a hora de findar (enquanto Império). Os sinais de que isto está a acontecer, perante os nossos olhares ainda descrentes, são muitos e claríssimos. Infelizmente, para muitos, parece-me que não irá findar sem um enormíssimo estrondo. Era preferível que assim não fosse, mas enfim...

Nós, com todo o respeito que nos merece a China e o povo chinês, não queremos um mundo em que só nos é permitido pensar no trabalho (e atenção que nem a China quer isso para nós; nunca nos deu tais sinais). Quem o quer é o Império, sempre o quis, e agora mostra-o claramente.

Mas nós queremos um pouco mais do que somente trabalhar, trabalhar, trabalhar (apesar de o trabalho não ter de ser necessariamente algo que nos incomoda, que nos chateia, que nos mói o juízo; não o devia ser de todo).

Assim, julgo que é justo considerar que, colectivamente, para além de um trabalho que nos satisfaça, queremos ter tempo para nós, para os nossos gostos pessoais, para a família, para os amigos, para a Vida. E queremos, acima de tudo, que nos deixem estar sossegados, que não nos fodam a cabeça, foda-se.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Pedantismo

Por vezes dou por mim a ter pensamentos pedantes. Quando estou, por exemplo, a ler um texto de Paulo Borges sobre o "Tratado da Negação" de Raphael Baldaya, dou por mim a pensar que... bom a pensar que sou o maior, o mais inteligente, por ver mais à frente, mais longe... A ler um texto de outra pessoa, sobre uma personagem pessoana, e eu é que sou o maior... Enfim, julgo que é a isto que se pode chamar de "Ilusões de Grandeza".

Acontece-me algo parecido quando não me deixo levar pela narrativa oficial, no que à covid diz respeito. Sinto-me mais (d)esperto do que os demais, aqueles que ainda não conseguiram sair do remoinho de informação e contra-informação sobre o assunto.

Isto seria preocupante se não desse conta do pedantismo destes pensamentos...

É certo que pode haver lugar a uma satisfação pessoal por estar a ler um texto mesmo ao nosso gosto, por exemplo, ou ainda, para aqueles que têm talentos vários, a cantar, a tocar um instrumento, a criar uma peça de arte, etc. Digo, por vezes, que ser arrogante não é um problema, desde que tenhas algo sobre o que arrogar, isto é, desde que sejas verdadeiramente bom nessa(s) actividade(s).

Não é o meu caso; não tenho talentos. Não me posso dar ao luxo de ser arrogante.

Assim, é importante ter consciência deste pedantismo assinalado supra, para que o não deixe transparecer em palavras e, muito menos, em acções. Não é fácil. Falho muito, mas cada vez menos, espero.

Infelizmente, não sou único a falhar; é comportamento que vejo por aí amiúde. Digladiam-se egos como quem mede pilas.

As redes sociais são prodigiosas para o aparecimento de comportamentos pedantes e arrogantes, como todos sabemos. Quantas são as discussões que levámos para lá do razoável, só para fazer valer o nosso ponto de vista? Demasiadas, arrisco-me a dizer.

Podia terminar este breve texto com um qualquer moralismo, do género, "procura não ser pedante e/ou arrogante", mas, na verdade, estes textos servem mais a um escape, a um organizar de ideias... As únicas sugestões que podem por aqui aparecer, explicita ou implicitamente, são aquelas que faço a mim mesmo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Do Cinismo

Há, de facto, algumas desvantagens em não estar no Facebook. É um veículo poderoso de informação, mas essencialmente servia (a mim, em particular) para ir apreciando as diatribes de alguns amigos, conhecidos, e alguns desconhecidos.

Entretanto, em Janeiro / Fevereiro deste ano, tudo mudou.

A pandemia impôs-se nas nossas vidas de forma que nenhum de nós poderia prever, e passou a ser o assunto dominante, tanto nas nossas conversas como nas nossas publicações digitais.

E, aí, tudo descambou.

Nos primeiros tempos, optei pelo silêncio, dando a conhecer, discretamente, as minhas ideias sobre o assunto, até que não pude mais manter a compostura e tive de fazer dois ou três posts mais ou menos inflamados sobre o assunto. Sei que nesse momento cavei fundas trincheiras, nas quais me mantenho até à data, e das quais sairia com gosto, se visse que tinha estado equivocado nas acepções que fiz.

Não me orgulho de ter escavado essas trincheiras. Procurei sempre não o estar a fazer, ou seja, procurei ter uma atitude racional, que não estivesse refém de qualquer ideologia ou ideia política, por exemplo. Não consegui.

Mas lembro-me de um amigo ter feito o seu primeiro post no Facebook sobre o assunto (é pessoa de andar mais pelo Twitter), e de esse post ser completa e totalmente ideológico. Nem se preocupou em escondê-lo. Como nos lembrava Terence Mckenna, "a Ideologia é um insulto ao livre pensamento". Ou seja, para ele o cavar das trincheiras é algo que faz conscientemente (parece-me), e não uma infeliz consequência. É um exemplo, mas que, infelizmente, é quase norma.

E foi, então, dessa normalidade(!) que quis fugir quando deixei de ter presença no Facebook.

Antes porém, recordo-me de acordar e fazer o que infelizmente quase todos fazemos, que é pegar no telemóvel, ver as notificações, e-mails, cenas e, depois, dar um olho nas redes sociais. Dei por mim a reagir a posts (que sem dúvida mereciam a reacção), e depois ficar nas próximas horas a matutar nisso, mal disposto. Decidi que não queria isto para mim, e lá me fui embora.

Das muitas vantagens que existem em não estar no Facebook, a paz de espírito que se obtém destaca-se, claramente.

As redes sociais são uma ferramenta poderosa e útil, sem dúvida, mas, se não cuidarmos, podem tornar-nos (ainda mais) cínicos, e eu há anos que ando a fugir disso.

Quero continuar a manter uma saudável dose de romantismo na minha vida - ainda não o consegui, mas julgo que para lá caminho. Se para isso tiver de continuar fora do Facebook, que assim seja.

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