quarta-feira, 8 de julho de 2020

Não é do vírus que eu tenho medo

Tenho medo de outras coisas.

Por um lado, tenho medo daquilo que pode estar ainda a ser preparado. Por outro, não consigo calcular o tamanho da cratera que a queda do Império poderá vir a criar.

Ainda, tenho medo da dimensão do hiato que está a ser criado entre nós e o outro. Eu já perdi contacto com alguns amigos neste entretanto, e tu? É certo que também me aproximei de outros que haviam estado mais afastados, quase como compensação cósmica, mas...

E há ainda outros receios...

Ontem, na rua, a caminho das compras, vi uma senhora a não calar a sua indignação perante um senhor, com mais idade, que ia sem máscara. Na rua, volto a dizer. Não se lhe dirigiu directamente, mas começou a dizer, para uma outra transeunte, algo do género: «com esta idade e sem máscara... assim não vai dar... como é que se vai parar com as mortes?...», e coisas deste calibre, que o resto já não ouvi, pois afastei-me com passo ligeiro.

Mas, mesmo com a ligeireza do passo, estive quase a perder o controlo. Se o tivesse feito, só me iria aborrecer, e a senhora continuaria firme nas suas ideias que, pela falta de respeito que demonstrou, só podem ser tacanhas.

Este evento, aqui brevemente relatado, é ilustrativo do que tenho vindo, aqui e ali, a assistir (e eu saio pouco). E é por isto que tenho algum receio de que, mais do que nos afastarmos, nos comecemos a atacar mutuamente, de formas cada vez mais acentuadas.

Há muito que a discussão sobre a Covid-19 deixou de ser "racional" (se é que alguma vez chegou a ser). Neste momento, é uma questão ideológica e diria até de "contornos religiosos", pois que radica não em factos, mas em crenças enraizadas (passe a redundância) que, como se sabe, são o que é mais difícil, se não mesmo impossível, de discutir com alguém.

Assim, qualquer conversa/debate/discussão sobre o assunto só poderá resultar em dissabores para os intervenientes, e que, sendo de teor ideológico ou até mesmo "religioso", como vimos, pode tomar contornos muito, mas mesmo muito desagradáveis.

Como tal, é importante refrear os nossos ânimos. Não é fácil, pois é natural que os "nervos estejam à flor da pele", como sói dizer-se, devido à própria circunstância que a todos implica.

Era importante, também, se m'o deixares sugerir, que logo a montante nos abstivéssemos de fazer julgamentos deste género a que pude assistir (e em geral, vá), mas parece-me que andamos todos a fazer de polícias uns dos outros, nem que seja com um mero olhar discriminatório, quando não mesmo por palavras (como fez a desrespeitosa senhora). Sei do que falo, pois tenho a mania de o fazer, mas digo que é "pedagogia". Faço-o, por exemplo, na auto-estrada, quando buzino àqueles fulanos que insistem em ir na faixa do meio. É mania que ainda não consegui perder, pois que é coisa que me irrita profundamente.

Sei, também, que este policiar do outro, na maior parte das vezes, é bem intencionado. Mas é escusado. Primeiro, porque é, como disse, uma falta de respeito. E, depois, porque desta forma continuamos a dar argumentos àqueles que mandam em nós, para que continuem a limitar as nossas cada vez mais restritas liberdades. Fazem-no com o argumento de que não sabemos cuidar de nós - precisamos de ser regulados e orientados, tal como um mero rebanho de ovelhas.

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